quarta-feira, 17 de junho de 2009

Exegese de 1 Pedro 4.1-6

Na minha modesta opinião este trecho da segunda carta de Pedro é um dos textos mais difíceis que encontramos na Bíblia. Existem várias interpretações diferentes sobre o assunto aqui levantado. Por isso, peço que ao ler este estudo não conclua sua pesquisa, mas que continue estudando e orando para que as dúvidas que houverem possam ser esclarecidas no seu coração pelo Senhor o Espírito.

1. AUTORIA:
A primeira carta de Pedro trata-se de um documento autêntico, aceito por todos os Pais da Igreja como sendo do apóstolo Pedro. No entanto, existem algumas dificuldades para se aceitar esta autoria, baseadas na perfeição da linguagem e na semelhança que certas partes desta epístola têm com algumas das cartas de Paulo. Porém a maioria dos eruditos, à vista de 1Pe 5.12, defende a autoria do apóstolo Pedro, tendo Silvano como responsável pelo teor literário e estilo da epístola e também encarregado de levá-la.

2. CONTEXTO HISTÓRICO e GEOGRÁFICO:
A epístola foi enviada de Roma, citada em 1Pe 5.13 como Babilônia, por volta de 64 d.C., aos cristãos, judeus e gentios, que viviam na parte norte da Ásia Menor (hoje a Turquia), espalhados nas províncias do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1Pe 1.1). Seu destino foi a a região de Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia, Bitínia.
Nesta época Nero era o imperador romano. Nero foi proclamado imperador aos 17 anos sucedendo seu padrasto Claudio I. Considerava-se um artista e um visionário religioso, porém tornou-se um cruel perseguidor dos cristãos. Entre os seus muitos atos de crueldade estão os de mandar executar sua mãe Agripina a Jovem e incendiar Roma em 64 d.c., quando dois terços da cidade foram consumidos pelo fogo. Suicidou-se em 68 d.c. após ser declarado inimigo público pelo Senado. (Enciclopédia Microsoft Encarta).

3. PROPÓSITO e CONTEXTO INTERNO DA CARTA:
Podemos chamar 1 Pedro de “a epistola da esperança”, pois ela traz uma esperança viva baseada na ressurreição de Cristo e na herança gloriosa descrita em 1Pe 1.4. Para isso, Pedro apresenta a morte (2.21-25), a ressurreição (1.3), e a volta de Cristo (1.13), como incentivos à perseverança e sobriedade em meio às tribulações que estavam passando. O apóstolo procurou levar seus leitores a refletirem sobre o testemunho e crescimento espiritual e a terem gozo e coragem em pleno sofrimento. Proclamando as virtudes de Cristo no meio das trevas, porque agora fazem parte do seu povo e conhecem a sua misericórdia (2.1-10). A conduta entre os pagãos deveria ser exemplar, para que, quando acusados de crimes pelas autoridades, teriam que reconhecer neles as boas ações (2.11-12). Para isso Pedro orienta à obediência a toda autoridade humana (2.13-23) e um bom relacionamento conjugal (3.1-7). O incentivo é visto em todo o contexto, principalmente por estarem sofrendo injustiças por fazerem o que é certo. Em meio a tudo isso, a resposta deles àqueles que lhes causavam dor, deveria ser o exemplo deixado Cristo e a esperança que tinham nele (3.13-4.6).

4. TRADUÇÃO DO TEXTO - 1Pe 4.1-6:
1. Por esta razão, tendo Cristo sofrido na carne, também do mesmo pensamento vocês devem se armar; porque aquele que na carne foi afetado, cessou com o pecado,
2. Para que no tempo que vos resta na carne, já não mais vivam fazendo os desejos dos homens, mas conforme a vontade de Deus.
3. Porque basta o tempo de vida que tiveram para fazer a vontade dos gentios, andando em desejo pelo que é proibido, vivendo na pornografia, bebedeira, farras, badernas e até mesmo em detestáveis idolatrias.
4. Por isso eles ficam chocados, e vos insultam, já que vocês não se arremessam com eles, no mesmo excesso de devassidão,
5. os quais, terão de pagar tudo, àquele que é competente para julgar os vivos e também os mortos;
6. porque para este fim, foi o evangelho pregado até mesmo aos mortos, a fim de que, verdadeiramente julgados na carne de acordo com os homens, vivam segundo Deus no espírito.

5. EXEGESE DAS PALAVRAS CHAVES:
Versículo 1:
· oun - (então, por esta razão, conseqüentemente, conformemente, sendo assim) - Dá a idéia de continuidade do que estava sendo dito anteriormente. O comentário da NVI diz que se abre um parente de 3.19 até 22, e em 4.1 retoma a ligação direta com 3.18.
· paqontoV - (ter sido afetado, ser afetado, sentir ter uma experiência sensível, passar por) - Champlin diz: Cristo é o exemplo supremo do sofrer pacientemente, somos encorajados a ver que seu sofrimento foi benéfico, isto é, produziu bons resultados , e isso nos leva a crer que nosso sofrimento, não terá outro resultado.
· oplisaste - armar-se,equipar-se com armas; metáfora - ter o mesmo pensamento, armas para a batalha. NVI- Os crentes devem também estar dispostos a sofrer sem causa justa, tendo a mesma atitude de Cristo diante disso – a disposição que Ele tinha ao sofrer pela prática do bem.
· pepautai - (fez cessar, desistir, obter livramento do pecado, não mais deixar levar pelos seus incitamentos e seduções). NVI- esse sofrimento capacita a pessoa a endireitar suas prioridades. Desejos e práticas que antes pareciam importantes, passam a se afigurar insignificantes quando a nossa vida está em perigo. Sofrimentos graves por amor de Cristo promovem o progresso da santificação.
Versículo 2:
· epiqimiaiV - desejo, anelo, anseio, desejo pelo que é proibido, luxúria. Um apelo para que eles não mais vivessem segundo aquilo que é mau, e que são contra os princípios de Deus.
· alla - todavia, contudo, não obstante, apesar de. Introduz uma transição para o assunto principal.
· qelema - vontade, escolha, inclinação, desejo, prazer, satisfação. Champlin diz que a vida de santificação é aqui vista como a vontade de Deus. Sem a santificação ninguém verá a Deus, por isso necessitamos tanto dela. NVI- Então quando a atitude de Cristo passa a prevalecer, à vontade de Deus é o fator determinante na vida.
versículo 4:
· xenizontai - surpreender ou causar espanto pela estranheza e novidade de algo; achar estranho, ficar chocado.
· suntrecontwn - correr juntamente com outro, concordar com, estar em harmonia com. Atirar-se no mesmo lodaçal de deboche é a idéia aqui.
versículo 5:
· apodwsousin - pagar a totalidade do que é devido. Cada homem será julgado de acordo com as suas obras, pelo que sua vida será aberta como um livro; suas tentativas de defesa serão vãs, pois seu débito será imenso.
· etoimwV - prontamente estar pronto. NVI- O NT. declara que tanto o Pai quanto o Filho serão o Juiz daquele grande e definitivo dia do Juízo final. O Pai é a origem máxima do juízo, mas delegará o julgamento ao Filho.
· nekrouV - aquele que deu seu último suspiro, sem vida; falecido, morto, alguém de quem a alma esta no céu ou inferno; destituído de vida, inanimado. Metáf. - espiritualmente morto. Não deve ser entendido como metáfora, diz Champlin, e nem no sexto versículo. Esse termo meramente salienta o fato de que o indivíduo que morre, nem por isso escapou ao julgamento. Talvez seja esquecido pelos homens, mas Deus haverá de relembrar tudo quanto foi praticado, a fim de que se manifeste a justiça.
versículo 6
· nekroiV - {A-DPM} - Propriamente aquele que deu o seu último suspiro, sem vida, falecido, morto, alguém de quem a alma esta no céu ou inferno, destituído de vida, sem vida, inanimado. Como no versículo anterior a palavra (mortos), não deve ser entendida metaforicamente, como alguns dizem “mortos nos seus pecados”, mas literalmente mortos.
· euhggelisqh - {V-API-3S} = Trazer boas notícias, anunciar boas novas: a) usado no AT para qualquer tipo de boas notícias, de jubilosas notícias da bondade de Deus, em particular, das bênçãos messiânicas; b) usado no NT especialmente de boas novas a respeito da vinda do reino de Deus, e da salvação que pode ser obtida nele através de Cristo, e do conteúdo desta salvação, boas notícias anunciadas a alguém, alguém que tem boas notícias proclamadas a ele, instruir (pessoas) a respeito das coisas que pertencem à salvação cristã.
· kriqwsin - {V-APS-3P}= Separar, colocar separadamente, selecionar, escolher; aprovar, estimar, preferir; ser de opinião, julgar, pensar; determinar, resolver, decretar; julgar; pronunciar uma opinião relativa ao certo e errado. O subjuntivo passivo é usado como um advérbio de propósito - ou seja, sofreram a ação mas com um propósito.
· zwsin - {V-PAS-3P}= Viver, respirar, estar entre os vivos (não inanimado, não morto); gozar de vida real; ter vida verdadeira; ser ativo, abençoado, eterno no reino de Deus.

6. IDÉIA EXEGÉTICA:
Cristo deu o exemplo sofrendo na carne, para que fossem libertos das paixões mundanas no passado. Agora eles deveriam armar-se do mesmo pensamento, para vencerem as tentações futuras, não levando em consideração as provações do presente, pois o consolo virá mediante o justo juízo de Cristo.

7. DIVISÃO DO TEXTO:
O exemplo e os efeitos do sofrimento de Cristo na vida cristã (1-2).
A perseverança cristã em meio às provações (3-4).
Consolo do cristão mediante o juízo de Cristo (5-6).

8. COMENTÁRIO DOS VERSÍCULOS:
1. Por esta razão, tendo Cristo sofrido na carne, também do mesmo pensamento vocês devem se armar; porque aquele que na carne foi afetado, cessou com o pecado.
Pedro segue a mesma linha de raciocínio do capítulo três, enfatizando os sofrimentos de Cristo como modelo a ser seguido. Esta seqüência está evidenciada pela partícula oun (por esta razão) que dá a idéia de continuidade do que estava sendo dito anteriormente e também pelo uso do verbo paqontoV (tendo sofrido) o mesmo usado no início do verso de 3.18. Notamos a mudança ocorrida no temperamento do apóstolo, que em outros tempos, teria mandado desembainhar as espadas para a luta, como foi sua atitude no episódio da prisão de Jesus (Jo 18.10). No entanto, sua orientação era que se armassem dos mesmos pensamentos e a mesma disposição mental que houve em Cristo, pois para isto tinham sido chamados (2.21). Oplisaste é um termo militar usado nos campos de batalha, quer dizer armar-se, equipar-se com armas e o emprego deste verbo mostra a necessidade de estarem armados para a batalha, pois estavam envolvidos em uma guerra. Termos militares também foi usado por Paulo, na figura de um soldado que devia ser fiel agradando o seu comandante (2Tm 2.3-4), e da armadura de Deus para ficarem firmes contra as armadilhas do Diabo em Ef 6.11. No entanto, as armas que deveriam ser usadas não eram as convencionais, utilizadas nos campos de batalhas, e sim as armas divinas, aquelas usadas por Cristo. Jesus sabia que a vitória contra o pecado dependia do seu sofrimento (Hb 12.2), da mesma forma “armai-vos da mente de Cristo” exortava Pedro; em Fp 2.5 temos a mesma idéia porém em outro contexto. A sentença “Aquele que sofreu na carne deixou o pecado”, (paqwn - 2AAP-NSM de pascw) tem sido interpretada de vários modos. Alguns dizem que é apenas uma referência geral aos efeitos purificadores do sofrimento. Outros, que a referência ao sofrimento de Cristo na carne é alusão à Sua morte. Champlin diz que o texto sugere um duplo sujeito: Cristo, em seus sofrimentos, e nós, nos nossos. Entendemos que todo contexto, apela fortemente para se deixar o pecado e que o pensamento de identificação com a morte de Cristo está na mente de Pedro. Se os sofrimentos provocaram a morte do Senhor, dando solução ao problema do pecado. Para eles, os sofrimentos presentes ou futuros são sinais da identificação com Cristo e um meio de adquirir a santificação. Esta linha de pensamento já tinha sido colocada por Pedro no cap. 1.7, usando o a figura do ouro que para ser purificado é provado pelo fogo, e também por Paulo em 2Co 12.9-10 que diz: “o poder se aperfeiçoa na fraqueza. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte”, além de outros textos como: Rm 13.13-14; Hb 12.3; Gl 2.20 e Cl 3.12.
2. para que no tempo que vos resta na carne, já não mais vivam fazendo os desejos dos homens, mas conforme a vontade de Deus.
Pedro continua exortando seus leitores sobre o compromisso da vida cristã. Notamos que “o tempo que vos resta na carne” é o mesmo usado em 1.17, “o tempo da vossa peregrinação” para mostrar como deveriam se portar a partir do momento que se converteram a Cristo, ou seja, teriam que viver o cristianismo na prática, “vivam de acordo com a vontade de Deus”. Eles teriam que escolher entre continuar nas mesmas práticas que tinham antes, descritas a seguir no verso três ou satisfazer a vontade (qelema) de Deus e viver de acordo com os princípios estabelecidos por Ele. A conjunção alla indica essa transição, ou seja, deveriam portar-se como filhos obedientes a Deus, não se amoldando às paixões doentias e dominantes que tinham anteriormente (epiqimiaiV), quando ainda não conheciam a Cristo (1.14;2.11).
Estes mesmos pensamentos também estão nos escritos de Paulo, como em Efésios que diz: “abandonem a velha natureza, sejam completamente renovados. Vistam-se com a nova natureza criada por Deus” (Ef 4.22-24 e “Antigamente vocês mesmos viviam na escuridão; mas, agora pertencem ao Senhor. Por isso vivam como pessoas que pertencem à luz,”(Ef 5.8). Também em outros textos como: Mt 7.21; Jo 7.17; Rm 6.11; Rm 7.4; Ef 4.7; Cl 3.7-8; Tt 3:3-8
3. Porque basta o tempo de vida que tiveram para fazer a vontade dos gentios, andando em desejo pelo que é proibido, vivendo na pornografia, bebedeira, farras, badernas e até mesmo em detestáveis idolatrias.
Pedro procura trazer à memória dos seus leitores a vida que tiveram no passado. O adjetivo arketoV (arketos) é usado para enfatizar que esse tempo já foi o bastante para viverem fazendo a vontade dos gentios. Segundo Champlim, Pedro usa este termo, com um tom irônico para demonstrar todo o seu desprezo à vida insignificante e sem valor que eles tiveram. Esse tempo, que eram adeptos às paixões mundanas não resultou em nada, portanto não deveria ser seguido. Para deixar claro Pedro relaciona várias práticas negativas que deveriam ser abandonadas:
a. Desejo pelo que é proibido (epiyumiaiv); um desejo mau, provavelmente ligado ao impulso sexual que ocorre 38 vezes no NT;
b. Pornografia e lascívia (alsegeiaiV); no grego significa satisfação dos desejos sensuais, devotando um curso de vida libertino e dissoluto, fazendo qualquer coisa que o capricho sugerir, ocorre nove vezes no NT;
c. Bebedeira (oinoflugiaiV) o termo tem por raiz a palavra “oinos”, “vinho”, “phleo” que significa manar em abundância;
d. Farras e badernas (kwmoiV ) orgia geralmente como resultado da embriaguez; quando pessoas bêbadas desfilavam enlouquecidas pela rua, despedaçando animais, devorando carne crua se cortando e abusando do próprio corpo;
e. Detestáveis idolatrias (ayemitov eidwlolatreia), o adjetivo ayemitov é usado para enfatizar o aspecto da devassidão em que eles andavam principalmente se tratando das cerimônias religiosas e a idolatria.
Em 1.14; 2.1,11; encontramos também essa mesma idéia. Onde Pedro destaca a importância de não mais viverem como antes.
4. Por isso eles ficam chocados, e vos insultam, já que vocês não se arremessam com eles, no mesmo excesso de devassidão,
A expressão “por isso” (en w no grego significa “no que”) e representa uma seqüência lógica de vida. O rompimento com o modo de vida dos gentios, seria dizer não, a tudo que eles achavam normal. Explica-se então o choque causado pela mudança dos seguidores de Cristo aos que foram seus companheiros de orgia. A surpresa deles foi tão grande, que começaram a falar mal (blasfhmew), por não estarem mais participando das suas festas. Podemos imaginar a situação vivida por eles. Poderiam estar sendo acusados de orgulhosos e de não seguirem os costumes. O termo concorrer suntrecontwn, significa correr juntamente, concordar e estar em harmonia com outro. A idéia aqui é que querem a companhia dos crentes, para concorrerem com eles em busca dos vícios e paixões, atirando-se no mesmo lodaçal de deboche (anacusin). A esses escreve Pedro “como brutos irracionais, falam mal daquilo que não entendem e na sua destruição também hão de ser destruídos” (2 Pedro 2.12).
5. os quais, terão de pagar tudo, àquele que é competente para julgar os vivos e também os mortos;
O acerto de contas certamente virá, diz Pedro. O verbo apodwsousin no grego dá idéia de pagamento total daquilo é devido. Cada homem será julgado de acordo com as suas obras, porque sua vida será aberta como um livro e as tentativas de defesa serão vãs, pois o débito é imenso. O advérbio etoimwV declara que tanto o Pai quanto o Filho serão o Juiz daquele grande e definitivo dia. Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (At 17.31). O termo nekrouV não deve ser entendido como metáfora, nem aqui e nem no sexto versículo diz Clamplim. Salienta o fato de que o indivíduo que morre, nem por isso escapou ao julgamento. Talvez seja esquecido pelos homens, mas Deus haverá de relembrar tudo quanto foi praticado, a fim de que se manifeste a justiça. Outros textos que se aplicam a mesma idéia são: Ec 12.14; Ez 18.30; Jo 5.28-29; At 10.42.
6. pois, para este fim, foi o evangelho pregado também a mortos, para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam no espírito segundo Deus.
Pedro, além de tudo que foi dito, ressalta algo muito importante, a recompensa do justo. Mesmo que eles foram julgados na carne segundo os homens, viveriam no espírito segundo Deus. Ou seja, eles podiam ficar sossegados, porque Aquele Juiz competente (v. 5), recompensaria a todos os que permaneceram fiéis nas promessas do Senhor. Entendemos que durante todo o contexto Pedro procurou trazer uma forma de consolo em meio ao sofrimento, dai a necessidade de se falar sobre os que já haviam partido. Pois qual o maior consolo para os que estão vivos, senão saber que seus irmãos que morreram, depois de passar tantas dificuldades físicas, vivificados no espírito. A pergunta que se faz é como e quando isso aconteceu?
Ø O termo nekroiV (nekros) como já mencionamos (v. 5) não deve ser entendido como metáfora. No entanto, alguns dizem que se refere a mortos nos seus delitos e pecados; outros acrescentam o vocábulo “agora”, ou seja, que agora estão mortos, embora estivessem vivos quando a mensagem foi pregada a eles. E ainda que estes mortos são pessoas que morreram por causa das perseguições, mas que quando ainda vivos ouviram a mensagem e aceitaram.
Ø O verbo euhggelisqh (euaggelizo), no grego significa trazer boas notícias, anunciar boas novas. É usado no AT para qualquer tipo de boas notícias, em particular, das bênçãos messiânicas. No NT ocorre especialmente se tratando das boas novas a respeito da vinda do reino de Deus, da salvação que pode ser obtida através de Cristo e do conteúdo desta salvação.
A frase grega Kata anthropous significa " de acordo com os padrões dos homens". Não quer dizer que foram julgados como os homens o são, pois neste caso a frase seria kata anthropon. Deviam no entanto viver segundo Deus (kata theon) no espírito. Viver no espírito é viver como Deus vive, isto é, eternamente.
Segundo O Novo Comentário Bíblico, várias interpretações têm sido dadas a este versículo. Sustentam-se opiniões muito divergentes entre si, pelo que seria imprudente formular qualquer doutrina importante à base deste único verso. A conexão com a declaração de 3.19, parece pouca para justificar e argumentar que o evangelho foi oferecido aos mortos como mortos, isto é, depois de haverem morrido. Provavelmente o sentido mais certo é que aqueles que hoje estão mortos ouviram a pregação do evangelho quando ainda vivos. Selwyn sugere que no vers. 5 o apóstolo tinha em mente membros da Igreja, do passado e do presente. Enquanto que no vers. 6 se refere só aos do passado. Por causa de haverem confessado a Cristo, quando viviam, foram julgados e condenados pelos homens, mas vivificados no espirito segundo Deus.
Para Mueller a frase “tem o evangelho também pregado a mortos” tem sido interpretada de várias maneiras. Ela pode se referir a “mortos espirituais” (cf. Ef 21,5), aos quais o evangelho foi e esta sendo pregado, para que, mesmo que morram no corpo “vivam no espírito segundo Deus”. A segunda, considerando os mortos no sentido físico, faz-se uma ligação com o trecho de 3.19-22. A terceira possibilidade é a mesma defendida por Selwyn no Novo Comentário Bíblico.
Entendemos que o termo nekrouV não deve ser entendido “mortos espirituais”, e sim como indivíduo que morre fisicamente, pois Pedro no verso anterior (5) se refere aqueles que já morreram e que serão julgados pelo Justo Juiz. Quanto relacionar este trecho com o de 3.19-20, entendemos que lá, o termo usado foi khrussw (kerusso); geralmente usado para publicar ou proclamar abertamente algo que foi feito, no texto de 4.6 o termo usado foi euhggelisqh (euaggelizo )que significa trazer boas notícias. Usado no NT especialmente para pregar a respeito da vinda do reino de Deus, e da salvação que pode ser obtida nele através de Cristo. O grupo a qual se refere 3.19-22, é a “geração de Noé”, a mais pecadora e sem esperança entre todas, sendo que aqui o texto se refere a todos os mortos. A razão pela qual Pedro retoma o tema só poderá ser entendida se analisarmos todo o contexto da carta, que trata do consolo daqueles que sofrem perseguições por serem cristãos. Não sendo compatível com o texto sagrado a idéia de que aqueles que um dia morreram na desobediência sejam salvos (Ml 3.5;Mt 3.10).
Para entendermos melhor este texto a nossa sugestão é que voltemos a parábola contada por Jesus do rico e do Lazaro. O texto mostra um contraste: o rico está em tormentos, e viu ao longe Lazaro no seio de Abraão v.23. É preciso lembrar de que esta parábola é dita antes da morte e da ressurreição de Cristo, e que até ali os espíritos dos mortos habitavam a moradia dos mortos ou Hades. As Escrituras descrevem o Hades como lugar de tormentos para os injustos, enquanto que para os justos há o paraíso, (Lc 23.43), também chamado como aqui, o seio de Abraão. Quando nosso Senhor Jesus rendeu Seu espírito, morrendo no Gólgota, seu corpo ficou morto três dias; mas durante este tempo, “no Espírito”, Ele foi proclamar aos espíritos rebeldes e desobedientes, detidos no Hades, o triunfo de sua cruz e sua eterna condenação, 1Pe 3.19-29. Ao mesmo tempo ele foi anunciar aos espíritos dos justos, estes “presos de esperança”, Zc 9.12, a boa nova, 1Pe 4.6 que não somente iam viver na presença de deus, mas que Ele, pela Sua ascensão, ia levar consigo esta multidão de cativos até à presença do Pai, Ef 4.8-10; Hb 2.13.
Desde então entendemos que o espírito do cristão, ao falecer, vai diretamente para o Senhor (At 7.55-60; Fp 1.21-23), na espera da ressurreição corporal quando Ele voltar (Jo 5.28-30; 1Co 15.42-58; Ap 20.4-6). Os perdidos ressurgiram no ultimo dia e serão julgados e jogados no lago de fogo Ap. 20.11-15. O inferno descrito como um lugar de tormento de dia e noite. Pois não somente a salvação do crente é segurada e pode estar ao alcance de todos, mas ainda nos é dito que ressuscitando Jesus dentro os mortos Deus o estabeleceu Juiz dos pecadores At 17.30-31; Hb 10.26-31.

9. APLICAÇÕES:
Precisamos de armas para a batalha. Quando nos armarmos com o pensamento de Cristo, também vamos vencer as tentações que com certeza virão, já não vamos mais viver aquela vida passada, cheia de hipocrisia e paixões carnais, mas como Deus quer que vivamos, ou seja, vamos viver a vida de Cristo. E também vamos suportar as provações do presente, pois se estamos armados com o pensamento de Cristo que sofreu na carne, ou seja, por causa deste sofrimento, nós não mais seremos dominados pelo pecado. Pois o pecado foi cessado. Hoje, podemos também, nos consolar com essas promessas, de que todos, um dia, vão prestar contas de tudo o que fez ou deixou de fazer, pois temos um Juiz que é competente e preparado para julgar tanto vivos, quanto mortos. E também devemos nos consolar da promessa de que vamos receber uma recompensa. Como diz na Palavra do Senhor: “quem perseverar até o fim será salvo”, “sê fiel até a morte, e dar-te-ei a cora da vida”.

10. ESBOÇO DO SERMÃO:

O LEGADO DE CRISTO.

A. A única forma de defesa era armarem-se do pensamento de Cristo (v.1-4).
Que sofreu na carne para que vencessem as tentações futuras (v.2).
Que sofreu na carne para que fossem libertos das paixões mundanas (3).
Que sofreu na carne para que suportassem as provações do presente (v.4).

B. A única forma de consolo era esperar em Cristo (v. 5-6).
Aquele que todos prestarão contas (5).
Aquele que é competente para julgar (5).
Aquele que dá a recompensa ao justo (6).

11. Conclusão:
Que possamos estar armados com este pensamento, para que, as tentações do futuro e as provações do presente não venham nos tragar. E que nunca mais venhamos a praticar as paixões carnais que tínhamos anteriormente. Que possamos estar olhando firmemente para a promessa de que um dia, estaremos frente ao Juiz que é competente para nos julgar e também recompensar a cada um segundo as suas obras.

12. BIBLIOGRAFIA:
CHAMPLIM, Russel Norman. “Comentário do Novo Testamento Versículo por Versículo”.
São Paulo (SP).
BARKER, Kenneth/BURDCK, Donald. “Bíblia de Estudo – NVI”.
1.a edição, São Paulo (SP), Editora Vida, 2003.

SHEDD, Russel P. “Bíblia Shedd”. 1.a edição,
São Paulo (SP), Editora Vida Nova, 1998.

MUELLER Enio R., “1 Pedro Introdução e Comentário”.
1.° edição, São Paulo (SP), Mundo Cristão, 1988.

SHEDD, Russel P. “O novo Comentário da Bíblia”.
São Paulo (SP), Edições Vida Nova, 1963.
Deus abençoe
Pr Saulo César da Silva

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